Monday, September 13, 2010

Here comes the sun

De noite olhando pela janela do ônibus ele ia brincando com as luzes que vinham de fora. Do poste. Do carro. Dos vaga-lumes. Da casinha lá no meio do mato. Os pensamentos eram como as luzes: brilhavam e apagavam em questão de segundos. Pensamentos são inimigos do sono. E sem sono ele observava a rota da viagem pelo GPS. Sem sono ele podia brincar de adivinhar qual a próxima cor do carro que ia passar. Sem sono ele podia criar os motivos da viagem dos passageiros ao seu redor. Poderia ser para rever a família? Poderia ser para fazer compras? Pode ser para ir à cidade pela primeira vez? Poderia ser para rever um grande amor? Conforme o GPS avisava que o destino estava mais perto, seu coração acelerava.

Quando viajamos ficamos mais vulneráveis e pensamos mais. Pensamos no livro que não terminamos de ler, pensamos no telefonema que deveríamos ter dado, pensamos naquele abraço apertado, pensamos, pensamos e depois fechamos os olhos para poder zerar e recomeçar com novos pensamentos. Entre um pensamento e outro desejamos coisas. Desejamos voar. Desejamos que chegasse logo. Desejamos descer no meio da estrada e trocar de vida com o primeiro transeunte. Tem horas que isso nos faz pensar que essa seria a forma mais sensata de poder recomeçar. Parando e descendo no meio da estrada.

Não seria fácil?

Sim. Mudo de cidade e como num passe de mágica serei outra pessoa. Mudo de emprego num outro passe de mágica serei uma nova pessoa. Mudo de nome e lá estou eu uma nova pessoa. O problema é que as mudanças são internas. Mesmo que eu mude de cidade, de emprego ou de nome internamente terei os mesmos conflitos. O alarme interno não nos deixa esquecer de que “... nós ainda somos os mesmos...” parafraseando a música do Belchior.

O GPS pisca. Ele chega ao primeiro destino e desce no frio. E fica observando o dia nascer lentamente. São quase 6 da manhã. Não tem galo cantando. Não tem nem sol. Ele espera pacientemente uma amiga que chegará num carro vermelho (nunca lembra marca de carros). O frio aumenta, o dia acorda cinza. Não há mais vaga-lumes. Há esperança de um fim de semana perfeito. E seus ouvidos são invadidos pelos Beatles que cantam bem baixinho: “Here comes the sun...”. E sozinho ele ri, balança a cabeça negativamente enquanto observa os carros passando na via e pensa: Sol? Aqui? Nem tão cedo.