Por que só reparamos de perto nas coisas quando elas já não estão mais ali? Minha reflexão começou outro dia depois que torci meu pé esquerdo. Estava distraído caminhando e em questão de segundos torci. Doeu um pouco e deixei pra lá. Uma semana depois estava mancando e daí comecei a reparar na droga de uma calçada desnivelada que me leva até a entrada do escritório e como era preciso me esforçar para andar ali.
Nós não reparamos nas pessoas. Trabalhamos anos com elas e nem se quer nos damos o trabalho de tentar saber se está tudo bem de verdade. Se algum deles tem problema com drogas, se estão solitários, endividados, se estão de fato felizes. A hora do almoço no trabalho nunca foi momento para reparar isso. Comecei a reparar nas pausas para o café, no modo de segurar a xícara, na saída aflita quando tocava o telefone e no desejo da hora passar bem rapidinho para que pudesse pegar o primeiro elevador disponível.
Para ser mais preciso nem em nos mesmos nós reparamos. Acho que tem semanas que não me olho no espelho. Olhar mesmo de verdade. Reparar se tem espinha. Reparar os fios brancos. Reparar no formato do rosto...
A gente repara pouco porque estamos no modo automático. É mais simples. É mais pratico. E não nos tira do falso estado de conforto. Quando reparo que a calçada tem o tal desnível que eu nunca vi é porque eu agora preciso ter cautela ao andar ali se não me machuco ainda mais. Se o outro cair o problema é dele. A gente so repara quando isso pode nos afetar. E ainda assim com prazo de validade. O tempo de mudança de estado é o tempo de deixar de reparar e como uma roda gigante mudamos do banco da igualdade pro banco da indiferença.
Desejamos tanta coisa pro futuro, cantamos junto com o Lulu Santos quando ele diz que vê um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera. Seria justo somar a tudo isso o interesse pelo próximo, não aquele interesse de vigilante que toma conta da vida alheia, muito menos aquele interesse cristão de julgar. O interesse aqui é aquele puro de estar presente de verdade. Quando ouvimos que devemos amar nosso semelhante como a nos mesmo é começar a dar importância o que aquele outro ser humano tem a dizer. Nem ser uma espécie de divã onde o outro desaba quando tudo está quase transbordando. Bastava pequenas doses diárias de atenção, aposto que não teria contra-indicação, nem tarjas vermelha ou preta. Estaria ali exposto na primeira prateleira para que todos pudessem tomar.