Sunday, August 03, 2008

O ano novo tardio e os ponteiros do relógio da gata burralheira

Já imaginou se tivéssemos a chance de começar tudo de novo? Aquele instante do ano que está indo com o instante do ano que está chegando nos dá uma sensação exatamente de recomeço, de repensar decisões e planejar outras coisas. Têm uns milésimos de segundos que se misturam antes do ano virar ano novo e é ali que temos uma rápida consciência de que na verdade não mudará tanto assim, continuamos sendo os mesmos. Não sei quanto tempo dura essa reflexão, sei que é muito rápido. Rápido como o trajeto da água que sai da torneira e entra ralo abaixo.
Esse ano estava novamente na praia de Copacabana, entre amigos e mesmo com os fogos sendo disparados antes da meia-noite e antes de tomar a decisão de abraçar as pessoas e desejar coisas o momento veio novamente. E pensei como seria bom se pudesse. Esse "se pudesse" nos deixa uns segundos com os pés no chão e nos deixa triste por esses milésimos segundos até que você desperta e sorri e deseja coisas ótimas e abraça e beija seus amigos e leva um banho de champanhe do vizinho. O "se pudesse" nos limita. Nos torna fracos diante de muitas situações. O meu "se pudesse" foi o mesmo de uns anos atrás: morar sozinho. O "se pudesse" é como um estado de coinsciência no meio da festa. Alguém te puxando pelo braço e falando: "acorda, nada mudou"! e como num despertar você grita: Feliz ano novo!!
Será que o amadurecimento começa a aparecer quando percebemos que precisamos de um espaço só nosso? Talvez seja coisa de signo isso de querer o próprio espaço. Ou é coisa mesmo de todo ser humano que percebe que tem um lugar na Terra? Capricornianos tem uma mania de se isolarem e curtir um pouco de solidão. Não solidão que dá pena de ver. Aquela coisa de estar sozinho se curtindo. Nunca senti medo por estar só em casa. Era como fingir de morar sozinho por que podia colocar minhas músicas favoritas pela casa, preparar o que tivesse afim pra comer e fingir que já era adulto. A idéia de ser adulto nunca vêm junto com responsabilidade e compromisso. Pelo menos para mim não era assim. Hoje eu vejo como é tedioso ser adulto. Tem horas que dá vontade de largar tudo e sair correndo chegar num balcão de atendimentos e cancelar: Olha, cansei de ser adulto! Como devo proceder?
Vejo que com 31 anos eu procedo silenciosamente em não virar 100% adulto. Tudo que é 100% cansa e limita. Tenho na minha estante playmobill, snoopy de diversos tamanhos, dvd´s de animação e filmes que via na infância. Não é saudosismo. É só uma forma inteligente de não virar adulto de vez. E acho que essa idéia de conservar o lado menino é que fez com que aquele "se pudesse" perdesse a força. Adultos não sonham, adultos planejam e realizam. Adultos dificultam tudo. E agora adultos só dão os próximos passos após lerem guias de auto-ajuda. A bola da vez é "o segredo" que teve até versão audio-book com a narração da ex paquita idosa que é muito bem paga para falar com um papagaio de espuma. O segredo nada mais é do que você exercer no papel o sonho que tinha quando criança. Eles sugerem que a pessoa faça um diário do futuro. Olha como anda tudo bagunçado! A pessoa compra um livro para ensiná-la como fazer aquilo que ela esqueceu desde que decidiu se tornar adulto. Tá certo, algumas foram obrigadas a se tornarem. Não seria mais fácil não deixar aquele lado criança não morrer? Quando esse lado permanece vivo os sonhos começam a aparecer naturalmente e junto a ele a delícia de ir construindo a idéia. E tudo isso sem gastar um tostão.
Será que conseguimos fazer uma lista do que queríamos começar de novo? Quantos itens será que renderia? Quanto maior os itens maior seria a nossa insatisfação como nossa vida atual? Quantos desses itens receberiam nível fácil, médio e difícil de cumprir? E se formos comparar com outras pessoas será que em nossa lista aparecerá muitos itens em comum? E se isso aparecer é sinal de que no fundo somos todos iguais? E se somos todos iguais por que fazemos de tudo para se tornar diferente dos outros? Será que tal diferença fica somente no que podemos enxergar de nossos semelhantes? Podemos dividir semelhantes em os que são 100% adulto e os que não se permitiram ser?
Outro dia minha amiga disse que ao começar um curso novo seja lá do que ou ainda mudar de cidade nos permite começar de novo. Concordei. Horas depois fomos dar risada na Bela Paulista e comecei a pensar. Você fará novos amigos e se mostrará da forma que quiser a essas pessoas, esconderá algumas manias, mudará talvez até o sotaque se for o caso e aí por um período terá a chance de ser outra pessoa. Mas quem quer uma mudança com prazo de validade? No relógio da gata borralheira os ponteiros foram limitados à zero hora e a realidade veio à tona e o que nós devemos fazer para que os ponteiros ultrapassem?