Sunday, August 03, 2008

Observando a vida em cima de uma árvore qualquer no Central Park

Dia frio e chuvoso no Rio. Nem parece a cidade maravilhosa que vemos nos postais. É só olhar especificamente para alguns pontos e tapar os ouvidos e eu posso fingir que estou em outra cidade européia. Posso olhar para o Teatro Municipal e pensar que estou em Paris. Posso ainda fingir que as pessoas não falam português. Posso fingir que as placas estão escritas em francês. Posso pedir um café no Odeon e ler um livro a tarde toda. E posso assim, fingir que sou culto e sofisticado. Posso acrescentar óculos de armação séria ao meu visual e aí sim ser culto, sofisticado e cool. Cool ao quadrado se meus pés estiverem vestidos com all star colorido.
Quantas vezes desejamos parecer o que não somos? Ás vezes me olho no espelho e imagino que tenho um formato de nariz diferente e saio de casa com aquele formato na cabeça. Ao longo do dia acrescento outros acessórios na minha imagem: cabelo assim, olhos assado e por aí vai. No fim do dia eu entro no banho e só me olho no espelho depois. Finjo que a água levou embora meu personagem do dia.
Todos nós sabemos que temos diversas facetas. Hoje eu sou uma pessoa simpática, amanhã sou um cozinheiro, daqui a meia hora eu sou um cão raivoso. O meu medo é o intervalo entre um personagem e outro. Dizem que intervalos curtos relevam que estamos deprimidos. Não posso, por exemplo, estar feliz agora e daqui a dois minutos desabar no ombro de alguém. Não posso não. Mas posso fingir. Posso fingir que me comovo com a pobreza alheia, posso fingir que fico com alma elevada quando ajudo ao próximo, posso fingir que é o máximo gostar de David Lynch e o seu “Cidade dos sonhos” onde o ápice são duas atrizes famosas que se pegam lá pelas tantas.
E é esse fingir que nos mata aos pouquinhos. Aos pouquinhos eu digo que amo música sertaneja e deixo de lado meu jazz querido. Aos pouquinhos deixo de ler Clarice e passo a ler bulas de remédios e em seguida livros de auto-ajuda, mas quando fico sozinho corro para meu esconderijo para relembrar como eu compreendia livros sem precisar de guias SOS de leitura. E após o refugio abro a porta do banheiro e sento à mesa novamente e discuto o novo modelo de celular que o fulaninho comprou e ainda acho o máximo e finjo lamentar não ter um daqueles. Aos pouquinhos posso mudar de amigos e quando vou buscar na minha lista telefônica me pergunto: quem são essas pessoas? E começo a colocar referências que me façam lembrar esses novos amigos: Ana do Chame-Chame, João amigo do amigo... e por aí.
Tem dias que fingimos que somos leigos para que a pessoa que está ao nosso lado apareça mais. Tem outros dias que fingimos gostar de comer brócolis por que era o primeiro encontro e era feio dizer que não gostava daquela coisa verde que tenta ser uma couve-flor em menor escala. E ainda por cima tingida. Dá próxima vez eu cozinho tudo junto na mesma panela para ver se a couve-flor fica verde. E assim dou a liberdade de um legume também fingir o que não é.
Hoje quero fingir que sou um passarinho. Que estou sobrevoando o Central Park e sinto a brisa bater no meu rosto, o vento frio em minhas asas. Pouso em um galho e observo os casais patinando no gelo e canto para que os deixem mais apaixonados ainda. Fico observando os flocos de neves caindo sobre as pessoas e me escondo para que não caiam em mim e me impeça de voar mais tarde. Percebo uma fita solta na ponta da grande árvore de natal e vôo até lá para consertar o que o vento cisma em tirar do lugar. Volto para o esconderijo e observo agora casais de velhinhos passeando de mãos dadas e se acariciando enquanto procuram um banco para sentar. Lá do alto eu vejo como a vida é mágica e que noites como essas dificilmente vão tornar-se a repetir. Noites mágicas acontecem algumas vezes em nossas vidas. É como se fosse uma concessão de Deus para que a gente perceba como é bacana estar vivo. Ouço violinos tocando e bato as asas à procura de um lugar para dormir, um ninho tranqüilo e seguro. E fico quietinho ouvindo o barulho do vento do lado de fora e ao longe o som dos violinos e temo pelo futuro que vêm.