Wednesday, September 29, 2010

Underwater

Quando há conspiração do universo para que as coisas aconteçam de forma contraria as desejadas como você reage? Eu não dormi a noite pensando nisso. Fiquei olhando pela janela quais vizinhos estariam acordados também e tentava trocar de canal para ver se era a mesma sombra do meu quarto. Costumava fazer isso quando criança e era fácil descobrir. Poucos tinham tv a cabo.Nas sombras dos quartos alheios pensei no que eu faria hoje. No que faria na semana inteira. No que eu faria nas férias e confesso que não fiquei com vontade de fazer nada. Era o contrario da vontade. Era a vontade de estalar os dedos e poder mudar a contrariedade do destino. Depois de uma simpática aula lésbica de alongamento ao som de Maria Gadu e Ana Carolina corri na esteira na companhia do Death Cab. Corri ouvindo repetidamente underwater. E chovia do lado de fora.Depois de ouvir mais underwater, mas dessa vez debaixo do chuveiro, fui correndo ler Clarice. E peguei uma frase solta: “... passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser”. E era isso mesmo que eu fazia. Era obediente ao papel: Acordava, banhava, arrumava, era transportado até o Rio. Caminhava. Ligava o computador. Percebia os e-mails. Repassava e-mails. Passava os olhos nos principais jornais do país. Não lamentava mais a alta corrupção do governo. Corria os olhos em noticias estratégicas. Recortava. Enviava. Almoçava. Rezava para Santa Rita. Retornava. Mais e-mails. Telefonemas. Respostas padrão. Simpatia padrão. Cafezinho. Treinamento. Uma amiga liga. Outra manda torpedo. Outro liga errado. Outro amigo liga. Mochila nas costas. O Rio está aceso do outro lado. O bondinho já não seduz como antigamente. Engarrafamento. Shake de morango. Academia. Pessoas bonitas com caras felizes. Olhares. Tentativas alheias de pessoas que nunca vi querendo me cumprimentar. Esteira. Underwater. Banho de chuva. Banho de banho. Clarice. Janelas alheias. Esse post.O papel do ser nesse instante era viver no automático e não se vive assim. Apenas passeia-se pelas horas contando cada segundo para fugir e sentar de frente pro mar e indagar o universo. Respostas em vão. Há pescadores. Há prostitutos começando a trabalhar. Há obesos e sarados caminhando. Há cachorros sem coleira. Há peixes no meio da poluição. O bondinho parou de funcionar. Será que ele ouviu que agora ele não mais seduz? Há no fundo outras vidas acontecendo. O tempo todo. E a toda hora.